segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Alice

Alice exalava uma falsa tranquilidade. Ela era como um vulcão prestes a entrar em erupção. Mas tudo era guardado para si mesma. Passava horas, no seu quarto apertado, chorando e escrevendo versos livres nos seus rascunhos. Sua cama de solteiro era pequena demais para tanta dor. Difícil era poder confiar em alguém e contar seus descontentamentos. Porém, algum dia, alguém teria que saber de tudo aquilo que já passara. Esse dia não demorou a chegar. 
Certo dia, fora tomar um ar livre. Era estranho para Alice estar ali depois de tantos anos. Seus pais costumavam levá-la àquele bosque quando ela era pequena. Antigamente ela ia para se divertir. Hoje, ela vai para pensar. O refúgio era encontrado naquele lugar repleto de araucárias e as outras vegetações sulistas.
Estranho mesmo é ela ter ido até lá em plena terça-feira. Mas era proposital, ela estava cansada das pessoas que a rodeavam. Sempre eram as mesmas, com as mesmas misérias, com as mesmas ignorâncias, os mesmos julgamentos. O que ela precisava era de novos rumos. Ela queria sentir a liberdade que tanto foi privada à ela. E parecia estar longe de ser alcançada. 
Na parte central do bosque, havia um lago imenso. Era a coisa mais bonita que já vira. Sentou-se na margem daquelas águas e começou a pensar. Não era tão fácil assim. Poucas pessoas estavam ao seu lado, mas nem elas sabiam o que fazer. O apoio daqueles que ela mais precisa, é o que a faltava. Era isso que a deixava pior. E o desespero parecia não ter fim. 
A superfície daquelas águas refletiam uma pessoa totalmente diferente daquela de anos atrás. O seu rosto não era o mesmo. Os seus cabelos não eram como antes. O seu olhar carregava um mistério quase indecifrável. Alice não se reconheceu naquele reflexo. Estava perdida entre a insanidade e a lucidez. 
Seu exterior forte contrastava com o seu interior fragilizado. Passar meses forçando um “está tudo bem” a enfraquecia mais. O orgulho sempre fez com ela resolvesse seus próprios problemas. Estava num capítulo que sequer tinha chegado na metade. Seus sentimentos e pensamentos a aprisionavam. O seu silêncio gritava várias dúvidas. Era difícil não encontrar resposta alguma. 
Pegou-se, de repente, chorando mais uma vez. Suas lágrimas salgadas se misturavam com a água doce do lago. Seus sonhos e esperanças eram mínimos. Mal via a hora de acordar daquele pesadelo. Mal via a hora de chegar em casa e encontrar a mobília no lugar, a vida no lugar. O relógio não podia contar essa hora. 
Depois de algumas horas, as lágrimas de Alice não eram as únicas coisas que caíam sobre o lago. Uma nuvem carregada estava parada naquele lugar e os pingos de uma chuva fina começaram a produzir oscilações na superfície. Alice não se importava se estava molhando. Estava ciente de que a chuva tem a magia de trazer a inspiração, as liberdades e os sentimentos mais puros do ser humano. 
A chuva cessou em instantes. “Era só uma nuvem passageira, como a minha dor”, pensou em voz alta. A esperança falava por ela. Sentiu-se mais madura. Respirou fundo e voltou para casa, sem olhar para trás, sem medo de viver a vida.

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